terça-feira, 30 de outubro de 2012

84 degraus

Imagine-se numa escola quase novinha em folha, daquelas em que se gastaram largos milhões de euros, e que para se deslocar da sala de professores até à sala de aula tem de descer 84 degraus, sendo que depois de 90 minutos de aula, volta a ter de regressar à sala de professores e, portanto, ver-se obrigado a subir os mesmos 84 degraus.
Agora há que acrescentar o facto de nessa deslocação ter de se munir do respectivo material de trabalho. A saber: uma pasta com o manual, o dossier do professor e a papelada habitual, outra pasta com o portátil, outra pasta com o projector multimédia e respectiva ficha tripla e ainda o livro de ponto. E, para concluir a peripécia toda, só falta dizer que na dita deslocação ainda se sujeita a ter de levar com alguma chuva, visto que entre o edifício principal e os contentores (sim as obras ainda não terminaram, pelo que ainda há aulas nos chamados monoblocos) a cobertura não é completa e, muitas vezes, está "apinhada" de alunos, pelo que ou leva chapéu de chuva ou ainda apanha com alguns pingos. Finalmente, apenas referir que existe um elevador, mas que o mesmo apenas está indicado para portadores de deficiência.
Pois bem, o que atrás enunciei não é ficção e ocorre numa das escolas que teve a mãozinha da Parque Escolar: a escola onde sou professor. Ora, há dias em que se chegam a descer, no total, à volta de 400 degraus e a subir os mesmos 400 ou mais degraus, em deslocações aos monoblocos para dar as aulas, ao bar para tomar um café ou à reprografia para tirar fotocópias... Ontem dei-me ao trabalho de contar os degraus que percorri: ao final do dia tinha subido e descido um total de 712 degraus (metade em cada sentido).
Esta é daquelas escolas em que se gastaram largas dezenas de milhões de euros em obras de requalificação, quando muitas dessas escolas ainda estavam em boas condições e apenas precisavam de algumas melhorias. Aliás, em muitas das escolas não houve requalificação. Houve sim destruição do que existia e construção de raiz. Até pavilhões gimnodesportivos foram deitados abaixo para se construírem pavilhões novinhos em folha, como se fossemos um país rico. Só na escola onde dou aulas gastaram-se quase 20 milhões de euros! Uma escola de uma vila em declínio populacional que tinha uma escola secundária construída há cerca de duas décadas, ainda em razoáveis condições, com gimnodesportivo, e que foi praticamente deitada abaixo para a construção de uma mega-escola que mais parece uma universidade! Parecemos um país rico...
Esta é daquelas situações que evidenciam até que ponto foi a irresponsabilidade do anterior Governo. Uma escola que até estava em razoáveis condições (das muitas que foram construídas nas décadas de 80 e 90, com três blocos - em forma triangular - mais um bloco maior ao fundo) e foi quase deitada abaixo, quando bastaria que se melhorasse o que existia. Quanto muito poderia ter-se construído mais um bloco de aulas. Mas não! Sócrates lembrou-se de gastar mais dinheiro, sem que o país tivesse recursos financeiros para isso, e avançou com a ideia de requalificar quase todas as escolas deste país. Mas, o disparate foi de tal ordem que muitas das escolas que precisavam urgentemente de obras foram deixadas para o fim do projecto: ainda ontem vi uma reportagem sobre o estado lastimável em que se encontra o Liceu Camões, em Lisboa, construído na década de 1960, que esse sim, precisava de obras de fundo...
Mas, o mais caricato disto tudo (o mais vergonhoso é gastar-se dinheiro que não se tem em obras de utilidade duvidosa) é o facto de muitos dos arquitectos que "pensaram" estas novas escolas pouco perceberem do funcionamento de uma escola. Caso soubessem não colocariam uma sala de professores no piso 1 e salas de aula no piso -2, obrigando professores a descerem e subirem 84 degraus de cada vez que têm que dar aulas no piso -2; nem fariam uma sala de professores sem bar, obrigando os docentes a irem ao bar dos alunos situado no piso -1 e, portanto, a terem de descer e subir cerca de 50 degraus e a perderem tempo precisoso nos intervalos; nem fariam corredores com reduzido acesso à iluminação natural, obrigando a gastos exorbitantes de energia. Isto já para não falar dos aparelhos de ar condicionado em todas as salas... Enfim, os exemplos por esse país fora são mais que muitos. Mas, os candeeiros do Siza Vieira numa escola do Porto devem ter batido o recorde da indecência!
A verdade é que tivemos um primeiro-ministro que se preocupou em fazer muita obra, ignorando a sua necessidade, utilidade e forma de se pagar. É que qualquer um consegue ser primeiro-ministro de um país em que se manda fazer obra para que outros a paguem...

9 comentários:

Paulo disse...

Pois é, andou-se a gastar dinheiro com escolas que até estavam em boas condições e agora não há dinheiro para as que realmente precisam de obras. Por exemplo, a Latino Coelho já precisa de cara lavada há muito tempo.
Abraço
Paulo

Anónimo disse...

84 degraus? Custa-me a acreditar ou então cada piso tem dez metros até ao teto. A imagem que tem aí não é da escola, pois não? Não estão aí quatro pisos.
Marta

Alexandre disse...

Solução: deixa-se de ir à sala dos professores.

Anónimo disse...

Tem várias vantagens. Anda mais por dia e come menos bolos. No final do ano vai estar menos gordo e mais elegante.

Lurdes disse...

A minha escola também foi para obras e agora não há dinheiro para as terminar. Conclusão, estamos piores agora do que antes das obras.
Isto é um país de incompetentes.

Anónimo disse...

Escolas que parecem universidades! Nós é logo à grande e à francesa. Feitos parolos é o que é.

Pedro disse...

Paulo, prefiro a arquitectura dos antigos liceus (nunca desgostei dos estrados da Latino Coelho) à que agora é pensada por estes arquitectos pós-modernos.
Marta, a escola tem mesmo quatro pisos. E são mesmo 84 degraus. Acredite.
Alexandre, pode crer que muitos colegas já deixaram de ir à sala dos professores e assinam os livros de ponto no final do dia.

Alexandre disse...

Ainda há livros de ponto por aí?

Onde estou desapareceram há 6 anos. É tudo informatizado.

Anónimo disse...

É uma escola para professores jovens, em boa condição física!